sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Outro ano, novos sonhos.

Não que eu acredite que algo realmente começa ou recomeça com o réveillon, mas sim acredito em começos, recomeços e ciclos. Alguns destes começos são determinados por causas exteriores que me escapam e controlam o meu tempo. Um exemplo disso é o começo e o fim dos semestres acadêmicos. Eis o fim de um semestre e o meu pensamento está voltado para o próximo. Cheio de responsabilidades, de um findar obrigatório e da necessidade de se pensar num novo começo.
Minhas experiências de vida são escassas e não adianta mais justificar usando a minha idade, talvez a idade seja mesmo pouca, mas as ações também. Deste modo, não há no meu passado para onde eu possa recorrer e tranquilizar-me e estes novos sonhos trazem consigo muita solidão. Corre uma energia estranha no meu corpo agora e talvez possa ser chamada de medo do novo acompanhado de muita insegurança. Mas não é a primeira vez que farei algo pela primeira vez e com o tempo eu me adaptarei à nova vida que ainda não começou – e tomara que ela comece! Eis um tempo em que eu preciso endurecer o meu coração apegado a valores, ao cuidado materno, ao amor que me ensinou partindo a partir também quando necessário e sem pensar nele como algo que me faça vacilar, às amizades. O contato físico com os amigos, o sorrir e o chorar junto são fatos que os telefonemas e a internet jamais satisfarão. Em meu coração, ninguém é substituível, mas para que a dor seja suportável, eu desejo a mim mesma: outros valores, outros cuidados, outras amizades e que estas sejam tão verdadeiras e fortes quanto as que eu experimentei até aqui.
Que este ano seja louco e os próximos também. Não desejo a loucura patológica que eu acompanho de perto e que traz muita dor, não aquela em que o louco não quer ser louco. Sim a loucura da euforia, do movimento, do desajuste. Que o bom humor e a alta energia estejam sempre presentes! Tenho o meu próprio tempo e o respeito bastante. Preciso de conselhos construtivos e não de meras cobranças. Sou tranquila e esta é uma virtude que eu protejo, é preciso estar de bem consigo mesmo, embora também seja necessária a cobrança que me faço, suave e justificada. Desculpem-me os perfeitos, mas sinto-me muito bem ao justificar meus erros. Não vai mal se for assim: muitos não me compreendendo, mas eu me entendo muito bem. Que a paz esteja sempre presente! Que eu tenha forças para seguir, não por ambição porque ao mundo isto não falta, mas pela história e pela luta da legião dos esquecidos, pela virtude que mata.

A Legião Dos Esquecidos
Chicas

Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata

São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará
De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão
De juvenais e de raimundos
Tantos julios de santana
Dessa crença num enorme coração
Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução

São cruzes sem nomes
Sem corpos, sem datas
Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata

E tantos são os homens
Por debaixo das manchetes
São braços esquecidos
Que fizeram os heróis
São forças, são suores
Que levantam as vedetes
Do teatro de revista
Que é o país de todos nós
São vozes que negaram
Liberdade concedida
Pois ela é bem mais sangue
Ela é bem mais vida
São vidas que alimentam
Nosso fogo da esperança
O grito da batalha
- Quem espera nunca alcança!

Ê ê quando o sol nascer
É que eu quero ver
Quem se lembrará
Ê ê quando amanhecer
É que eu quero ver
Quem recordará
E eu não quero esquecer
Essa legião que se entregou
Por um novo dia
E eu quero é cantar
Essa mão tão calejada
Que nos deu tanta alegria

E vamos à luta!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

La frescura del viento

Nos dias 13, 14 e 15 de dezembro aconteceu na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC/Ilhéus/Bahia o III Seminário de História Indígena – Caboclo Marcelino: História, Cultura e Luta dos Povos Indígenas do Sul da Bahia. O seminário proporcionou o encontro direto entre os Tupinambá de Olivença (Ilhéus-Bahia), entre outros povos indígenas, e a comunidade acadêmica. No dia 13/12 ocorreu a Mesa de Abertura do Evento: “História, Cultura e Luta dos Povos Indígenas do Sul da Bahia” e em 14/12 a Mesa III: “Terra, Cultura e Memória: a fala dos ‘Anciões’”. Nestas mesas estiveram presentes quatro anciãs Tupinambá, portadoras de memória coletiva e contadoras de história, que ponderaram acerca da luta do Caboclo Marcelino (líder indígena Tupinambá durante a revolta contra a construção da ponte do rio Cururupe que temia a maior aproximação entre os “brancos” e os índios Tupinambá) e daqueles que o apoiaram tendo como consequência perseguições policiais e violências físicas, bem como aqueles (especialmente lideranças) tantos outros que no tempo presente são vítimas de ações arbitrárias, agressividade e racismo.
 Estas anciãs também trouxeram consigo para a academia uma força espiritual presente em suas lutas cotidianas: “É Tupã no céu e o índio na terra; embora vê quem pode mais”! Pois inegável é a presença de forças além do mundo físico, forças espirituais e positivas que tomaram o local e os corpos a partir de suas falas e do Porancy (prática ritual resgatada pelos Tupinambá desde 2000), trazendo à tona uma sensibilidade por vezes rejeitada e subalternizada pelo universo acadêmico.
As demais falas em geral merecem nosso apreço, pois foram pensadas e realizadas por aqueles que têm se debruçado nesta questão gritante que é a luta indígena pela terra e pela cultura, apoiando assim este debate dentro da academia. Dentre estas falas, deleitável foi a do Prof. Mestre Edson Kaiapó (IFBA – Porto Seguro) na Mesa II: “Resistência dos Povos Indígenas do Sul da Bahia”. Em meio ao seu discurso ele nos contou algo peculiar ao seu cotidiano: quando era criança, saía para brincar em contato com a natureza, retornava para a casa e após alimentar-se de peixe assado e açaí, sentava para que uma parenta catasse piolhos em sua cabeça. Às vezes tinha piolho mesmo, mas às vezes não tinha, o ato era realizado graças à importância do carinho, do afeto a que se resumia em alguns momentos. Mais uma vez a sensibilidade foi pensada na academia, uma sensibilidade rejeitada pela maioria de nós homens emocionais, que nos mostramos por vezes incapazes de usar da nossa capacidade de raciocínio para selecionar o que é de fato importante em nossas vidas, pensando no coletivo, em contrapartida à brutalidade e frieza que imperam nos pseudo-racionais.

You see men sailing on their ego trips
Blast off on their space ship
Million miles from reality
No care for you, no care for me
So Much Trouble in the World - Bob Marley

domingo, 18 de dezembro de 2011

Eis um corpo que hoje sonha

Eu talvez tivesse um problema: não me percebia enquanto corpo. Desde que me entendo por gente que tento me aperfeiçoar, tornando-me um ser humano melhor, ao mesmo tempo em que este “melhor” tomou várias formas e ainda hoje vem sofrendo variações a contento. Deste modo, o meu “eu interior” teve e tem a minha atenção. No entanto, o meu “eu exterior” teve e hoje ainda tem muito pouco da minha vigilância, de modo que até aqui a preocupação com a minha aparência raramente existiu. A minha percepção enquanto corpo teve início com exercícios de respiração/meditação. Compreendi que esta dicotomia não tem sentido ao mesmo tempo em que aprendi a me amar e respeitar um pouco mais, pois entendi que o ideal de perfeição é além de criado, mutável; aprendi a conviver melhor com as minhas falhas, a suportar seus pesos, a cobrar menos de mim; aprendi a ouvir o meu corpo e a entender que o seu bom/mau funcionamento tem uma estreita relação com o psíquico; aprendi a harmonizar o meu eu exterior-interior, embora esta seja ainda uma construção cotidiana. Meu corpo conta por aí um pouco do meu ponto de vista sobre a grande peça teatral chamada vida.
Hoje eu dedico tempo a mim mesma com a plena consciência de que não estou perdendo absolutamente nada com isso: eu me escuto, eu me questiono, eu tento interpretar meus impulsos, meus desejos e meus sonhos. E eu sonho. Já ouvi dizer que criei um mundo cor de rosa para mim e já me importei com isso. Hoje eu entendo que todos nós criamos um universo particular, pois somos incapazes de apreender o universo como ele de fato é, incapazes de apreender a realidade, a verdade nua e crua. Tudo o que temos é a semiótica, uma visão parcial e limitadíssima, de modo que afirmar que a vida não é como pensa outrem é uma afirmação equivocada. Na minha vida os sonhos são permitidos, mesmo porque não estou aferrada ou ajustada às coisas como elas são e mesmo que quisesse não estaria, ainda que eu não saiba definir o bem ou o bom, sei que o que está posto não traz contento, muito pelo contrário. Que fique clara a ausência de intencionalidade em deixar de sonhar os sonhos mais “impossíveis”, pois o meu futuro é demasiadamente imprevisível que dirás o futuro da humanidade, exatamente, alguns dos meus sonhos abarcam o coletivo. Não é que eu acredite que tudo acabará nem que acabará bem, apenas não consigo compactuar e aceitar. Lembrei-me das seguintes palavras de Martin Luther King:

...há algumas coisas em nossa sociedade, e algumas coisas no nosso mundo às quais eu me orgulho de ser desajustado. E clamo a todos os homens de boa vontade a serem desajustados a essas coisas, até que uma boa sociedade apareça. Devo dizer com franqueza que eu nunca terei intenção de me ajustar à segregação racial e à discriminação; nunca tive intenção de me ajustar ao fanatismo religioso; e nunca tive intenção de me ajustar às condições econômicas que tomam das necessidades de muitos para dar exuberância a poucos, deixando milhões de filhos de deus sufocaram-se na sala rarefeita da pobreza no meio de uma sociedade de abundância.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Ao sol que habita em mim neste dia de chuva!

Não gosto de frio nem chuva, prefiro o sol. O frio me agride quando diz: “Vc está suficientemente sozinha para sentir como posso fazer vc doer”. A chuva me agride quando diz: “Eu quero que vc vá para a cama, cubra-se e reflita sobre o sentido da sua vida, deixe-me agonizar você”. O sol me afaga quando diz: “Estive com vc nos momentos mais felizes da sua vida, eu sou o sorriso do dia, eu deixo as suas cores prediletas mais fortes, eu faço você desejar o mar e o prazer”!
A imposição capitalista do prazer me auxiliou na construção destas imagens do frio e da chuva. Eu aprendi a não gostar da solidão e da agonia, a negar – apesar de reconhecer – que de fato gosto da solitude assim como da companhia e que a agonia impulsiona. Está tão impregnada a ideia de que a solidão e a agonia são negativas que elas acabam por me fazer mal quando poderiam me fazer bem se celebradas.
As minhas agonias são produtos da minha sensibilidade, do meu portal de energia aberto às pessoas de má fé que estão vivas por egoísmo ao mesmo tempo em que vivem para nutrir o capitalismo, de modo que conseguem ser felizes com a ideia de uma estabilidade econômica. As minhas agonias são produtos da minha vontade de ver crescer nas pessoas deste mundo a vontade de conhecer o outro lado do mundo, aquele que se opõe ao sistema como ele é, onde a coletividade é possível, bem como o respeito ao outro [inclusive àqueles que não virão e que já passaram por aqui] e à natureza. No qual a vida é mais bem compreendida e o prazer não é imposto, portanto, a felicidade estampada é verdadeira. No qual toda a lógica de consumo é cortada em prol das necessidades de fato humanas.
Estou profundamente agoniada hoje. Estou lecionando. No meu cotidiano agora mora uma contradição maior. A maioria dos meus estudantes não está interessada no vestibular. E a minha utilidade como professora de história não é prioritariamente que os meus estudantes sejam aprovados no vestibular, se vierem a desejar isto. Eu serei útil na medida em que eu proporcionar situações a partir das quais meus estudantes compreendam a si mesmos como sujeitos históricos, que saibam da lógica que a escola reproduz e que eles não estão errados em repugná-la [o autoritarismo, os horários, a obrigatoriedade, as aulas], mas que ainda assim precisam utilizar aquele espaço para burlá-lo [mesmo porque a passagem por ali é obrigatória], atribuindo-lhe um significado individual-coletivo. Eu serei útil na medida em que conseguirmos perceber o outro lado, na medida em que refletirmos sobre diversos temas até que consigam pensar por si, de modo que seguir uma ordem pré-determinada e que não beneficia o coletivo não faça mais sentido. Por enquanto, tenho que conviver com a rejeição às minhas ideias por estes humanos, alvos dos meus desejos primeiros.