terça-feira, 27 de dezembro de 2011

La frescura del viento

Nos dias 13, 14 e 15 de dezembro aconteceu na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC/Ilhéus/Bahia o III Seminário de História Indígena – Caboclo Marcelino: História, Cultura e Luta dos Povos Indígenas do Sul da Bahia. O seminário proporcionou o encontro direto entre os Tupinambá de Olivença (Ilhéus-Bahia), entre outros povos indígenas, e a comunidade acadêmica. No dia 13/12 ocorreu a Mesa de Abertura do Evento: “História, Cultura e Luta dos Povos Indígenas do Sul da Bahia” e em 14/12 a Mesa III: “Terra, Cultura e Memória: a fala dos ‘Anciões’”. Nestas mesas estiveram presentes quatro anciãs Tupinambá, portadoras de memória coletiva e contadoras de história, que ponderaram acerca da luta do Caboclo Marcelino (líder indígena Tupinambá durante a revolta contra a construção da ponte do rio Cururupe que temia a maior aproximação entre os “brancos” e os índios Tupinambá) e daqueles que o apoiaram tendo como consequência perseguições policiais e violências físicas, bem como aqueles (especialmente lideranças) tantos outros que no tempo presente são vítimas de ações arbitrárias, agressividade e racismo.
 Estas anciãs também trouxeram consigo para a academia uma força espiritual presente em suas lutas cotidianas: “É Tupã no céu e o índio na terra; embora vê quem pode mais”! Pois inegável é a presença de forças além do mundo físico, forças espirituais e positivas que tomaram o local e os corpos a partir de suas falas e do Porancy (prática ritual resgatada pelos Tupinambá desde 2000), trazendo à tona uma sensibilidade por vezes rejeitada e subalternizada pelo universo acadêmico.
As demais falas em geral merecem nosso apreço, pois foram pensadas e realizadas por aqueles que têm se debruçado nesta questão gritante que é a luta indígena pela terra e pela cultura, apoiando assim este debate dentro da academia. Dentre estas falas, deleitável foi a do Prof. Mestre Edson Kaiapó (IFBA – Porto Seguro) na Mesa II: “Resistência dos Povos Indígenas do Sul da Bahia”. Em meio ao seu discurso ele nos contou algo peculiar ao seu cotidiano: quando era criança, saía para brincar em contato com a natureza, retornava para a casa e após alimentar-se de peixe assado e açaí, sentava para que uma parenta catasse piolhos em sua cabeça. Às vezes tinha piolho mesmo, mas às vezes não tinha, o ato era realizado graças à importância do carinho, do afeto a que se resumia em alguns momentos. Mais uma vez a sensibilidade foi pensada na academia, uma sensibilidade rejeitada pela maioria de nós homens emocionais, que nos mostramos por vezes incapazes de usar da nossa capacidade de raciocínio para selecionar o que é de fato importante em nossas vidas, pensando no coletivo, em contrapartida à brutalidade e frieza que imperam nos pseudo-racionais.

You see men sailing on their ego trips
Blast off on their space ship
Million miles from reality
No care for you, no care for me
So Much Trouble in the World - Bob Marley

domingo, 18 de dezembro de 2011

Eis um corpo que hoje sonha

Eu talvez tivesse um problema: não me percebia enquanto corpo. Desde que me entendo por gente que tento me aperfeiçoar, tornando-me um ser humano melhor, ao mesmo tempo em que este “melhor” tomou várias formas e ainda hoje vem sofrendo variações a contento. Deste modo, o meu “eu interior” teve e tem a minha atenção. No entanto, o meu “eu exterior” teve e hoje ainda tem muito pouco da minha vigilância, de modo que até aqui a preocupação com a minha aparência raramente existiu. A minha percepção enquanto corpo teve início com exercícios de respiração/meditação. Compreendi que esta dicotomia não tem sentido ao mesmo tempo em que aprendi a me amar e respeitar um pouco mais, pois entendi que o ideal de perfeição é além de criado, mutável; aprendi a conviver melhor com as minhas falhas, a suportar seus pesos, a cobrar menos de mim; aprendi a ouvir o meu corpo e a entender que o seu bom/mau funcionamento tem uma estreita relação com o psíquico; aprendi a harmonizar o meu eu exterior-interior, embora esta seja ainda uma construção cotidiana. Meu corpo conta por aí um pouco do meu ponto de vista sobre a grande peça teatral chamada vida.
Hoje eu dedico tempo a mim mesma com a plena consciência de que não estou perdendo absolutamente nada com isso: eu me escuto, eu me questiono, eu tento interpretar meus impulsos, meus desejos e meus sonhos. E eu sonho. Já ouvi dizer que criei um mundo cor de rosa para mim e já me importei com isso. Hoje eu entendo que todos nós criamos um universo particular, pois somos incapazes de apreender o universo como ele de fato é, incapazes de apreender a realidade, a verdade nua e crua. Tudo o que temos é a semiótica, uma visão parcial e limitadíssima, de modo que afirmar que a vida não é como pensa outrem é uma afirmação equivocada. Na minha vida os sonhos são permitidos, mesmo porque não estou aferrada ou ajustada às coisas como elas são e mesmo que quisesse não estaria, ainda que eu não saiba definir o bem ou o bom, sei que o que está posto não traz contento, muito pelo contrário. Que fique clara a ausência de intencionalidade em deixar de sonhar os sonhos mais “impossíveis”, pois o meu futuro é demasiadamente imprevisível que dirás o futuro da humanidade, exatamente, alguns dos meus sonhos abarcam o coletivo. Não é que eu acredite que tudo acabará nem que acabará bem, apenas não consigo compactuar e aceitar. Lembrei-me das seguintes palavras de Martin Luther King:

...há algumas coisas em nossa sociedade, e algumas coisas no nosso mundo às quais eu me orgulho de ser desajustado. E clamo a todos os homens de boa vontade a serem desajustados a essas coisas, até que uma boa sociedade apareça. Devo dizer com franqueza que eu nunca terei intenção de me ajustar à segregação racial e à discriminação; nunca tive intenção de me ajustar ao fanatismo religioso; e nunca tive intenção de me ajustar às condições econômicas que tomam das necessidades de muitos para dar exuberância a poucos, deixando milhões de filhos de deus sufocaram-se na sala rarefeita da pobreza no meio de uma sociedade de abundância.