domingo, 18 de dezembro de 2011

Eis um corpo que hoje sonha

Eu talvez tivesse um problema: não me percebia enquanto corpo. Desde que me entendo por gente que tento me aperfeiçoar, tornando-me um ser humano melhor, ao mesmo tempo em que este “melhor” tomou várias formas e ainda hoje vem sofrendo variações a contento. Deste modo, o meu “eu interior” teve e tem a minha atenção. No entanto, o meu “eu exterior” teve e hoje ainda tem muito pouco da minha vigilância, de modo que até aqui a preocupação com a minha aparência raramente existiu. A minha percepção enquanto corpo teve início com exercícios de respiração/meditação. Compreendi que esta dicotomia não tem sentido ao mesmo tempo em que aprendi a me amar e respeitar um pouco mais, pois entendi que o ideal de perfeição é além de criado, mutável; aprendi a conviver melhor com as minhas falhas, a suportar seus pesos, a cobrar menos de mim; aprendi a ouvir o meu corpo e a entender que o seu bom/mau funcionamento tem uma estreita relação com o psíquico; aprendi a harmonizar o meu eu exterior-interior, embora esta seja ainda uma construção cotidiana. Meu corpo conta por aí um pouco do meu ponto de vista sobre a grande peça teatral chamada vida.
Hoje eu dedico tempo a mim mesma com a plena consciência de que não estou perdendo absolutamente nada com isso: eu me escuto, eu me questiono, eu tento interpretar meus impulsos, meus desejos e meus sonhos. E eu sonho. Já ouvi dizer que criei um mundo cor de rosa para mim e já me importei com isso. Hoje eu entendo que todos nós criamos um universo particular, pois somos incapazes de apreender o universo como ele de fato é, incapazes de apreender a realidade, a verdade nua e crua. Tudo o que temos é a semiótica, uma visão parcial e limitadíssima, de modo que afirmar que a vida não é como pensa outrem é uma afirmação equivocada. Na minha vida os sonhos são permitidos, mesmo porque não estou aferrada ou ajustada às coisas como elas são e mesmo que quisesse não estaria, ainda que eu não saiba definir o bem ou o bom, sei que o que está posto não traz contento, muito pelo contrário. Que fique clara a ausência de intencionalidade em deixar de sonhar os sonhos mais “impossíveis”, pois o meu futuro é demasiadamente imprevisível que dirás o futuro da humanidade, exatamente, alguns dos meus sonhos abarcam o coletivo. Não é que eu acredite que tudo acabará nem que acabará bem, apenas não consigo compactuar e aceitar. Lembrei-me das seguintes palavras de Martin Luther King:

...há algumas coisas em nossa sociedade, e algumas coisas no nosso mundo às quais eu me orgulho de ser desajustado. E clamo a todos os homens de boa vontade a serem desajustados a essas coisas, até que uma boa sociedade apareça. Devo dizer com franqueza que eu nunca terei intenção de me ajustar à segregação racial e à discriminação; nunca tive intenção de me ajustar ao fanatismo religioso; e nunca tive intenção de me ajustar às condições econômicas que tomam das necessidades de muitos para dar exuberância a poucos, deixando milhões de filhos de deus sufocaram-se na sala rarefeita da pobreza no meio de uma sociedade de abundância.

3 comentários:

  1. Pelas fotos de criança e do perfil, cê não precisa mesmo se preocupar com aparência. rs
    O convite ao desajuste é intrínseco à estrutura social, basta olhá-la com independência. O problema é que essa independência foi corrompida e se mantém assim pelo trabalho amplo e profundo da indução a valores falsos e a desejos compulsivos de consumo e ostentação. Na atualidade, a independência na formação da visão de mundo, na formação dos próprios valores, desejos e objetivos é uma conquista árdua, fruto de profundos questionamentos e forte depuração a partir do próprio inconsciente. Não podemos confiar na razão, manipulada por práticas de condicionamento permanentes, a partir do inconsciente; é preciso sentir mais, sobre o que fazer e como olhar a realidade, usar a intuição, elemento esquecido e até mesmo negado pelos ideólogos do racionalismo, em sua arrogância acadêmica.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. "Não é sinal de saúde ser bem ajustado à uma sociedade profundamente doente" Jiddu Krishnamurti

    Ao passo que o "desajuste" vai atingindo a sociedade, toda esta estrutura imposta como natural ( totalmente desumana) vai sendo desmoronada aos poucos.

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